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Lei Federal nº 13.204/2015: ajustes e reflexos para a Instituições Educacionais

Fev 18, 2016 | Comentários

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 trouxe, no escopo do artigo 6º, a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, bem como a assistência aos desamparados como direitos sociais.



A realidade, contudo, é diversa daquela imposta pelo Constituinte. Isso porque é notório que o Poder Público não consegue cumprir a determinação constitucional de prover ensino digno, saúde e assistência social.

Tanto assim que dados oriundos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2014, do IBGE, dão conta de que o Brasil, quando da coleta dos dados, tinha mais de 2,8 milhões de crianças e de adolescentes, ou seja 6,2% dos brasileiros, entre 4 e 17 anos fora da escola. 
 
E, é neste cenário, que as instituições educacionais sem fins lucrativos, sejam elas associações ou fundações, exercem papel crucial na sociedade, uma vez que suprem a atividade estatal nesta seara.
 

Aludidas instituições, que compõem o Terceiro Setor, estão sujeitas à legislação multidisciplinar e esparsa que transita pelas mais diversas áreas, tais como: Direito Civil, Direito Tributário, Direito Constitucional, Direito Administrativo, Governança Corporativa, Responsabilidade Social, Compliance e Contabilidade (ITG 2002). 

Nesse contexto, recentemente, a Lei Federal nº 13.204/2015 promoveu alterações significativas na legislação inerente ao Terceiro Setor. Dentre elas, destacamos:

1. Substituição dos Convênios por Termo de Fomento, Termo de Colaboração e Acordo de Cooperação. Doações independentemente do Título de Utilidade Pública Federal

A Lei Federal nº 13.204/2015 alterou a Lei 13.019/2014 que estabeleceu o regime jurídico das parcerias celebradas entre a Administração Pública e as Organizações da Sociedade Civil, em regime de mútua cooperação, para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco, mediante a execução de atividades ou de projetos previamente estabelecidos em planos de trabalho inseridos em Termos de Colaboração, em Termos de Fomento ou em Acordos de Cooperação.
 
Aludida legislação, para o tema “Parcerias”, tem vigência em diferentes etapas de acordo com a esfera de governo, ou seja:
 
a) para a União e os Estados a Lei 13.019/2014, com a alterações da Lei 13.204/2015, entrou em vigor a partir de 23 de janeiro de 2016; e
 
b) para os Municípios, entrará em vigor a partir de janeiro de 2017. Contudo, os Municípios poderão optar pela implementação antecipada das novas regras.
 
Para as Parcerias (Convênios) celebradas por prazo indeterminado antes da data de entrada em vigor da Lei 13.019/2014 ou prorrogáveis por período superior ao inicialmente estabelecido, no prazo de até 1 (um) ano após a data da entrada em vigor da Lei 13.019/2014 serão substituídas por Termo de Colaboração ou Termo Fomento ou serão objeto de rescisão unilateral pela Administração Pública.

Em linhas gerais, neste ponto, a legislação em pauta teve por escopo:

a) substituir os convênios. A possibilidade de entidades privadas sem fins lucrativos estabelecerem convênios com a Administração Pública foi inserida no ordenamento jurídico a partir do Decreto 93.872/86, como forma de delegação da execução de serviços de interesse recíproco. A atual predominância da utilização do Convênio é explicada em razão do reduzido número de entidades qualificadas como OS – Organizações Sociais ou OSCIP  - Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público e, portanto, aptas a firmar Contratos de Gestão ou Termos de Parceria;

b) trazer segurança jurídica, efetividade e sustentabilidade às parcerias celebradas entre as Organizações da Sociedade Civil e o Poder Público nas esferas federal, estadual e municipal;

c) valorizar as organizações da sociedade civil; 
 
d) dar transparência à aplicação dos respetivos recursos.

Na prática, portanto, quais foram as alterações para as entidades sem fins lucrativos que celebraram, ou celebrarão, Parceria/Convênio com o Poder Público (Federal, Estadual ou Municipal)?
 
Quais são as Organizações da Sociedade Civil aptas a celebrar Parcerias com o Poder Público:

a) a Entidade Privada sem Fins Lucrativos (Associação ou Fundação) que não distribua entre os seus associados, conselheiros, diretores, empregados, doadores ou terceiros eventuais resultados, excedentes operacionais, brutos ou líquidos, isenções de qualquer natureza, participações ou parcelas do seu patrimônio, auferidos mediante o exercício de suas atividades, e que os aplique integralmente na consecução do respectivo objeto social, de forma imediata ou por meio da constituição de fundo patrimonial ou fundo de reserva;

b) as Sociedades Cooperativas previstas na Lei no 9.867/99, as integradas por pessoas em situação de risco ou vulnerabilidade pessoal ou social, as alcançadas por programas e ações de combate à pobreza e de geração de trabalho e renda, as voltadas para fomento, educação e capacitação de trabalhadores rurais ou capacitação de agentes de assistência técnica e extensão rural e as capacitadas para execução de atividades ou de projetos de interesse público e de cunho social; e

c) as Organizações Religiosas que se dediquem a atividades ou a projetos de interesse público e de cunho social distintas das destinadas a fins exclusivamente religiosos.

Qual será o procedimento para selecionar as Organizações da Sociedade Civil para firmar parceria com o Poder Público?

A seleção se dará através de Chamamento Público. O edital do Chamamento Público deverá conter: a programação orçamentária que autoriza e viabiliza a celebração da parceria, o objeto da parceria, as datas, os prazos, as condições, o local e a forma de apresentação das propostas, as datas e os critérios de seleção e julgamento das propostas, inclusive no que se refere à metodologia de pontuação e ao peso atribuído a cada um dos critérios estabelecidos, o valor previsto para a realização do objeto, as condições para interposição de recurso administrativo e de acordo com as características do objeto da parceria, medidas de acessibilidade para pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida e idosos. Somente haverá dispensa, de Chamamento Público, em quatro hipóteses:

a) no caso de atividades voltadas ou vinculadas a serviços de educação, de saúde e de assistência social, desde que executadas por organizações da sociedade civil previamente credenciadas pelo órgão gestor da respectiva política;

b) em caso de urgência decorrente de paralisação ou iminência de paralisação de atividades de relevante interesse público, pelo prazo de até 180 dias;
 
c) nos casos de guerra, calamidade pública, grave perturbação da ordem pública ou ameaça à paz social ou
 
d) quando se tratar da realização de programa de proteção a pessoas ameaçadas ou em situação que possa comprometer a sua segurança.

Fim dos Convênios e criação de três novos instrumentos jurídicos de Contratualização com o Poder Público:

A partir da vigência da nova lei, somente serão celebrados Convênios entre entes Públicos. Para as Parceiras celebradas entre Entidades Sem Fins Lucrativos, inclusive as educacionais, e o Poder Público, serão utilizados os instrumentos a seguir:
 
a) o Termo de Colaboração: instrumento por meio do qual são formalizadas as parcerias estabelecidas pela administração pública com organizações da sociedade civil para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco, propostas pela administração pública que envolvam a transferência de recursos financeiros;
 
b) o Termo de Fomento: instrumento por meio do qual são formalizadas as parcerias estabelecidas pela administração pública com organizações da sociedade civil para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco, propostas pelas organizações da sociedade civil, que envolvam a transferência de recursos financeiros; e
 
c) Acordo de Cooperação: instrumento por meio do qual são formalizadas as parcerias estabelecidas pela administração pública com organizações da sociedade civil para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco que não envolvam a transferência de recursos financeiros.

Quem são os stakeholders nesta nova logística (partes que integram o grupo de influência)?

a) a Organização da Sociedade Civil;
 
b) o Dirigente: pessoa que detenha poderes de administração, gestão ou controle da organização da sociedade civil, habilitada a assinar termo de colaboração, termo de fomento ou acordo de cooperação com a administração pública para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco, ainda que delegue essa competência a terceiros;

c) a Administração Pública: Federal, Estadual ou Municipal;
 
d) o Administrador Público: agente público revestido de competência para assinar termo de colaboração, termo de fomento ou acordo de cooperação com organização da sociedade civil para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco, ainda que delegue essa competência a terceiros;

e) o Gestor: agente público responsável pela gestão de parceria celebrada por meio de termo de colaboração ou termo de fomento, designado por ato publicado em meio oficial de comunicação, com poderes de controle e fiscalização;
 
f) o Conselho de Políticas Públicas,  a Comissão de seleção (órgão colegiado destinado a processar e julgar Chamamentos Públicos, constituído por ato publicado em meio oficial de comunicação, assegurada a participação de pelo menos um servidor ocupante de cargo efetivo ou emprego permanente do quadro de pessoal da administração pública); e
 
g) a Comissão de Monitoramento e de Avaliação (órgão colegiado destinado a monitorar e avaliar as parcerias celebradas com organizações da sociedade civil, mediante termo de colaboração ou termo de fomento, constituído por ato publicado em meio oficial de comunicação, assegurada a participação de pelo menos um servidor ocupante de cargo efetivo ou emprego permanente do quadro de pessoal da administração pública).

Quais serão os benefícios às entidades que atuam na área educacional independentemente de qualquer Certificação do Terceiro Setor (Utilidade Pública Federal, por exemplo)?

a) o recebimento de doações de empresas, até o limite de 2% (dois por cento) de sua receita bruta;

b) o recebimento de bens móveis considerados irrecuperáveis, apreendidos, abandonados ou disponíveis, administrados pela Receita Federal; e 
 
c) as instituições poderão distribuir ou prometer prêmios, mediante sorteios, vale-brindes, concursos ou operações assemelhadas, com o intuito de arrecadar recursos adicionais destinados à sua manutenção ou custeio.

Quais serão os benefícios ao doador pessoa jurídica optante pelo lucro real?

Foi alterada a alínea “c”, do inciso III, do parágrafo 2°, do artigo 13, da Lei 9.249/95 atinente à legislação tributária federal. A inovação, neste caso, é a extinção da necessidade de Certificação, da instituição donatária como entidade de Utilidade Pública Federal, para que a empresa doadora, optante pelo lucro real, proceda às respectivas deduções. Desta forma, com a alteração legislativa, na apuração do lucro real e da base de cálculo da CSLL poderão ser deduzidas as doações, até o limite de 2% do lucro operacional da pessoa jurídica, antes de computada a sua dedução, efetuadas a organizações da sociedade civil definidas na Lei 13.019/2014, independentemente de certificação, desde que cumpridos os requisitos previstos nos artigos 3º e 16 da Lei 9.790/99 (Lei das “OSCIP’s”), bem como que a instituição não possua qualquer participação em campanhas de interesse político-partidário ou eleitorais. O artigo 3º, da Lei 9.790/99, prevê que a instituição deverá observar o Princípio da Universalização dos Serviços (dentro da sua área de atuação), bem como ter, em seu objetivo social, pelo menos uma das seguintes finalidades:

a) promoção da assistência social;
 
b) promoção da cultura, da defesa e da conservação do patrimônio histórico e artístico;
 
c) promoção gratuita da educação, observando-se a forma complementar de participação das organizações;

d) promoção gratuita da saúde;
 
e) promoção da segurança alimentar e nutricional;
 
f) defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável;
 
g) promoção do voluntariado;
 
h) promoção do desenvolvimento econômico e social e combate à pobreza;
 
i) experimentação, não lucrativa, de novos modelos sócio-produtivos e de sistemas alternativos de produção, comércio, emprego e crédito;
 
j) promoção de direitos estabelecidos, construção de novos direitos e assessoria jurídica gratuita de interesse suplementar;
 
k) promoção da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de outros valores universais;
 
l) estudos e pesquisas, desenvolvimento de tecnologias alternativas, produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos;
 
m) estudos e pesquisas para o desenvolvimento, a disponibilização e a implementação de tecnologias voltadas à mobilidade de pessoas, por qualquer meio de transporte.

Em quais casos esta nova Lei de Parcerias não será aplicável?

Há algumas exceções à aplicação da Lei 13.019/2014. Dentre elas destacamos:

a) os contratos de gestão celebrados com entidades certificadas como Organizações Sociais (Lei 9.637/98);
 
b) os Termos de Parceria celebrados com OSCIP’s; e 
 
c) os convênios e os contratos celebrados com entidades filantrópicas e sem fins lucrativos nos termos do parágrafo 1o, do artigo 199, da Constituição Federal (SUS).

2. Alteração da Lei 9.790/1999: inclusão de finalidade para OSCIP’s (Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público)

Foi inserido, no rol de finalidades possíveis para as OSCIP’s, a atividade de “estudos e pesquisas para o desenvolvimento, a disponibilização e a implementação de tecnologias voltadas à mobilidade de pessoas, por qualquer meio de transporte”.
 
Outra inovação, quanto às OSCIP’s, foi a permissão para a participação de servidores públicos na composição de Conselho ou da Diretoria.

3. Extinção da Utilidade Pública Federal - Revogação da Lei nº 91/1935

O título de Utilidade Pública Federal, outorgado pelo Ministério da Justiça, foi extinto. Deste modo, não mais haverá a obrigatoriedade de prestar contas anualmente até o dia 30/04.

4. Alteração nas regras de remuneração dos dirigentes

As associações, as fundações ou as organizações da sociedade civil sem fins lucrativos poderão remunerar seus dirigentes, desde que:

a) estes atuem efetivamente na gestão executiva; e

b) desde que exista previsão estatutária neste sentido e desde que cumpridos os requisitos previstos nos artigos 3º e 16 da Lei no 9.790/99, respeitados como limites máximos os valores praticados pelo mercado na região correspondente à sua área de atuação, devendo seu valor ser fixado pelo órgão de deliberação superior da entidade, registrado em ata, com comunicação ao Ministério Público, no caso das fundações.

A exigência acima não impede:

a) a remuneração aos diretores não estatutários que tenham vínculo empregatício; e
 
b) a remuneração aos dirigentes estatutários, desde que recebam remuneração inferior, em seu valor bruto, a 70% (setenta por cento) do limite estabelecido para a remuneração de servidores do Poder Executivo Federal. Neste caso, há as seguintes condições:
 
b.1) nenhum dirigente remunerado poderá ser cônjuge ou parente até 3º (terceiro) grau, inclusive afim, de instituidores, diretores, conselheiros, benfeitores ou equivalentes da instituição;
 
b.2) o total pago a título de remuneração para dirigentes, pelo exercício das atribuições estatutárias, deve ser inferior a 5 (cinco) vezes o valor correspondente ao limite individual acima estabelecido;
 
b.3) não há impedimento para a remuneração do dirigente estatutário ou do diretor que, cumulativamente, tenha vínculo estatutário e empregatício, exceto se houver incompatibilidade de jornadas de trabalho.

O novo cenário legislativo exposto impõe, portanto, seja na esfera da captação de recursos, seja no que tange à possibilidade de remuneração de dirigentes, ajustes na gestão das instituições sem fins lucrativos, inclusive no que concerne à compatibilidade da aludida remuneração com certificados que eventualmente a instituição possua, principalmente no que diz respeito a Utilidade Pública Municipal e à Utilidade Pública Estadual, uma vez que boa parte da legislação local, dos Municípios e dos Estados, de forma paradoxal, ainda não permite a remuneração de dirigentes.

Por Dra. Vanessa Ruffa Rodrigues

Advogada tributarista da Meira Fernandes, com experiência de 15 anos em Contencioso/Consultivo Tributário em instituições financeiras e no Terceiro Setor. Coordenadora de Atualização Legislativa para Assuntos do Terceiro Setor da OAB/SP. Professora da Escola Superior de Advocacia de São Paulo e da Escola Aberta do Terceiro Setor. Membro do ISTR - International Society for Third Sector Research.
 
Graduada em Direito pela FMU. Especialista em Direito Tributário pela Universidade Mackenzie. Extensão em Direito Tributário e Societário pela FGV (GVLaw). Extensão em Tributação do Setor Comercial pela FGV (GVLaw). MBA em Gestão de Tributos e Planejamento Tributário pela FGV (FGV Management-SP). 
vanessa.ruffa@meirafernandes.com.br
 
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