O provável motivo gerador da inserção da música como matéria curricular obrigatória, e por que não dizer da própria existência da Educação Musical como um todo, é a ocorrência de benefícios que são gerados às crianças através de uma educação musical de qualidade, com experiência real no mundo da música. Inúmeros estudos da neurociência comprovam tais benefícios no campo do desenvolvimento do raciocínio, da percepção sensorial e da coordenação motora, bem como no aumento da memória operacional, da criatividade e do QI. Tais estudos demonstram que esses benefícios ocorrem com o aprendizado da linguagem musical através do estudo do piano, canto, violino e etc. e não com alternativas, brincadeiras, vivências, jogos e etc. Sendo assim, se faz necessário desenvolver um conceito de Educação Musical que não desconsidere a realidade brasileira, mas que busque elementos de efetiva aprendizagem da linguagem musical através da utilização de metodologia eficiente. A primeira mudança que deve ocorrer, portanto, é no campo ideológico, ou seja, é preciso partir de um novo paradigma, no qual se acredite na possibilidade real de criação de um sistema de Educação Musical eficiente e viável para o sistema educacional brasileiro que abranja o aprendizado da linguagem musical. Através da escolha de ferramentas simples, é possível a criação de uma metodologia que atenda a tais características. Uma primeira providência, óbvia, é a institucionalização da importância da Educação Musical, ou seja, sua inserção na grade curricular da educação básica, como uma disciplina autônoma. Tal ponto é fundamental para que haja espaço para criação de uma base curricular que seja transmitida de forma consistente.O próximo passo envolve a escolha de um instrumento inicial que seja o mais completo possível para fornecer as competências musicais básicas – harmônico, melódico e rítmico. Neste ponto, o piano apresenta-se como uma escolha natural, uma vez que é inclusive base para todos os outros instrumentos: bacharéis nos outros instrumentos devem necessariamente cursar piano complementar na universidade. No início do século XX, nos Estados Unidos, aulas de piano em grupo tornaram-se obrigatórias no sistema educacional. O educador musical Calvin Breinerd Cady (1852-1928) foi um dos principais incentivadores da inclusão do piano em grupo nas escolas públicas americanas e, em 1889, a secretaria de educação daquele país oficializou o ensino do piano em grupo como um método desejável do sistema educacional. No início da década de 30, já existiam 873 municípios nos Estados Unidos nos quais o piano em grupo era oferecido como disciplina curricular nas escolas públicas. Devido à imensa demanda, mais de 150 universidades ofereciam cursos para formação de professores de piano em grupo. A utilização do piano em grupo no sistema de Educação Musical foi, assim, testado por décadas. Tal sistema foi bem sucedido por período significativo (mais de meio século), mesmo com a utilização de pianos-mudo. Com as novas tecnologias, a implantação da Educação Musical através do piano em grupo encontra uma maior facilidade ainda. Atualmente, o teclado digital possui inúmeros recursos tecnológicos. Além de ser bastante acessível, contém uma infinidade de recursos, como, por exemplo, a utilização de diferentes timbres, que podem simular uma orquestra. Também é possível acoplar um fone de ouvido para o treino individual de cada aluno, realizar gravações individuais e fazer a interação com plataformas digitais, tais como smartphones, tablets e computadores. Com isso, a introdução posterior de outros instrumentos fica bem facilitada, sendo possível a implementação gradual de bandas e orquestras sinfônicas.Claro que a elaboração de uma base curricular consistente a partir destas premissas não é algo fácil de ser desenvolvido, e requer que a Educação Musical seja objeto de ampla, contínua e crescente pesquisa acadêmica, mas é um norte que deve ser perseguido como o único desejável. Isso para que a Educação Musical conquiste definitivamente a importância devida no sistema educacional e seja considerada como um direito das crianças, e saia do status de utopia para se tornar uma realidade.Por Dr. Rogério TuttiRogério Tutti é um pianista, compositor e regente, com grande destaque nacional e internacional. Como pianista solista tem se apresentado nas principais salas do mundo e com algumas das mais prestigiadas orquestras e regentes em pai?ses como EUA, Ita?lia, Portugal, Franc?a, Ru?ssia, Argentina e Chile. Possui graduate diploma pelo New England Conservatory, Mestrado em piano performance pela University of North Dakota e Doutorado em Pedagogia do Piano pela Universidade de São Paulo. Em 2010, desenvolveu metodologia para os professores de ensino de piano em grupo do Projeto Guri, considerado o maior projeto social de música do país. Em 2014, lançou o Sistema Tutti de Educação Musical, método de educação musical para ser implementado nas escolas do ensino fundamental. Em 2015, lançou o livro “Pedagogia do Piano em Grupo” pela editora Prismas.